Escrito por: Edna Marturano
O que pode haver de comum entre a menina que faz perguntas embaraçosas, o bebê que enfiou o dedo no bocal da lâmpada, aquela sua vizinha bisbilhoteira e Alexander Fleming, o descobridor da penicilina?
Neste texto, você está convidado a um passeio pela floresta encantada da curiosidade, com seus mistérios, riscos e surpresas. Vamos tratar do incômodo que ela pode causar, de sua função adaptativa e do impacto significativo que essa disposição inata pode ter na vida das pessoas e das comunidades. Boa leitura!
Nós, humanos, somos curiosos por natureza. Mas, estranhamente, desde a antiguidade a nossa relação com esse atributo tem sido, no mínimo, ambivalente: ora ela é valorizada, ora censurada no meio social. A curiosidade, entendida como uma disposição para explorar e descobrir, buscar novidade e encontrar assuntos fascinantes, parece refletir uma necessidade humana de saber. Porém ela está longe de ser um atributo exclusivamente humano.
A curiosidade tem raízes biológicas, é uma conquista da evolução das espécies e está presente em todos os mamíferos, com importante função adaptativa.
Qual a função da curiosidade?
A motivação para o novo tem valor de sobrevivência: animais que vivem novas experiências resultantes dessa motivação ficam mais aptos a reagir eficazmente a situações inesperadas que requerem decisões de vida ou morte.
Em humanos, a curiosidade é fator de adaptação de curto e longo prazo. Ela motiva as pessoas a aprenderem por si mesmas e serve como contrapeso à ansiedade, emoção que nos leva a evitar coisas novas.
Com a inundação da nossa vida diária pelas redes sociais, a cultura cibernética se apropriou da curiosidade e lhe deu nova função. Blogueiros, Youtubers, influenciadores digitais e marqueteiros procuram atiçar a curiosidade dos visitantes de páginas para obter mais curtidas. Então, pode-se dizer que ela anda em alta. Mas nem sempre foi assim.
A curiosidade mal vista
O castigo à curiosidade está na tradição bíblica: o primeiro casal foi expulso do paraíso porque cedeu à tentação da curiosidade e comeu do fruto da árvore do conhecimento! Essa é uma alegoria poética da condição humana, torturados que somos pelo desejo insaciável de saber mais e dar sentido ao mundo.
Na perspectiva da nossa vida em sociedade, a alegoria bíblica revela um claro conflito de interesses: por um lado, o prazer do curioso ao saciar a sua fome de conhecimento; por outro lado, a indignação da figura de autoridade que vê ameaçado o seu poder pela descoberta incômoda de algum vassalo abelhudo – veja-se, por exemplo, o caso de Galileu Galilei.
A curiosidade matou o gato
Você já ouviu esse ditado popular? Ele traduz um claro aviso de que algo ruim pode acontecer se a pessoa for curiosa. A origem da expressão parece estar na Idade Média, época em que alguns associavam os gatos a bruxarias e queriam eliminá-los usando armadilhas. Os gatos iam explorar a engenhoca e acabavam capturados e mortos.
Ainda que antigo, o dito do gato ainda vale em alguns contextos e situações. Por exemplo, a curiosidade tem sido vista como um fator de risco na adolescência, quando os jovens estão mais propensos a experimentar o novo.
Em pesquisas na área da saúde, a curiosidade é apontada pelos adolescentes como o principal motivo para o primeiro uso de drogas ilícitas; tem sido associada também a comportamento sexual de risco e comportamentos delinquentes entre jovens.
No entanto, outros fatores, além da simples curiosidade, podem levar alguém a obter gratificação de curto prazo às custas de consequências negativas futuras. Relações familiares saturadas de afeto positivo, autoestima e oportunidades de se envolver em atividades desafiadoras que satisfaçam as necessidades de competência, domínio e significado pessoal são fatores que protegem o adolescente do envolvimento com atividades auto-lesivas, por mais curioso que ele seja.
Gatos que a curiosidade não matou: como a curiosidade contribui para o desenvolvimento e o bem estar de crianças, adultos, idosos e adolescentes também!
A lista de resultados benéficos da curiosidade é grande. Pesquisas em diversas áreas do conhecimento indicam que:
- Bebês que respondem bem à novidade desenvolvem mais a inteligência;
- As crianças curiosas serão aquelas que terão uma melhor capacidade de observação, as que melhor aprenderão na escola e as que se sentirão motivadas a continuar aprendendo;
- Em adolescentes, níveis elevados de curiosidade promovem bem estar subjetivo;
- O desejo de novidades por parte dos adultos está associado à criatividade;
- Curiosidade está associada à disposição para desafiar estereótipos e preferência por desafios no trabalho;
- O estado emocional-motivacional de curiosidade alimenta emoções positivas, como entusiasmo, prazer e atenção, facilitando a tomada de decisões complexas e a perseverança na realização de objetivos;
- A curiosidade está positivamente associada com inteligência, melhor aprendizagem e memória, maior envolvimento e desempenho em ambiente escolar e de trabalho, autoestima, capacidade de resolução de problemas, autonomia na escolha da carreira profissional;
- Nas relações interpessoais, a curiosidade prediz experiências subjetivas positivas;
- Finalmente, em um estudo de acompanhamento de cinco anos de uma amostra geriátrica, após o controle para idade, educação e variáveis de saúde, níveis iniciais de curiosidade como um traço de caráter da pessoa foram significativamente maiores nos sobreviventes do que naqueles que morreram!!!
A curiosidade como combustível da ciência a serviço das comunidades
“Em 1928, ao retornar de férias, Alexander Fleming, que foi professor de bacteriologia no Hospital St. Mary em Londres, Inglaterra, percebeu como um mofo flutuando em uma placa de petri suja mantinha as bactérias circundantes sob controle. Este peculiar evento o levou a desenvolver uma hipótese que seria um prelúdio para o desenvolvimento da penicilina”. Acesse o estudo aqui.
A história da ciência está repleta de incidentes como esse, em que um evento despertou a curiosidade de um cientista, levando assim a descobertas importantes.
Para refletir
A evidência é clara: a curiosidade inata das crianças é um capital a ser desenvolvido, com alta probabilidade de rendimentos positivos para elas e para seu entorno. Como nós, adultos, temos lidado com esse dom dos pequenos, em casa e nas escolas? Temos estimulado adequadamente a curiosidade infantil? Sabemos como fazer isso?