*Edna Maria Marturano
O que é o Espiritismo? Sem a pretensão de formular uma resposta, alinhamos aqui algumas informações sobre a sua curiosa origem, o trabalho investigativo do seu fundador, as descobertas consoladoras e as contribuições para melhorar a vida das pessoas.
As mesas dançantes e falantes
Tudo começou quando Rivail, professor francês estudioso do magnetismo, foi convidado a assistir, na casa de um amigo, a uma exibição onde mesas dançantes se comunicavam com os assistentes. Rivail, de índole racional e abordagem positivista, mostrou-se cético, mas aceitou o convite, considerando o caráter honesto do anfitrião: com certeza não se tratava de ilusionismo, então valia a pena verificar o que estava acontecendo.
Aliás, naquela época, início de 1855, a dança das mesas era um entretenimento concorrido nos salões elegantes das metrópoles europeias. O curioso fenômeno surgiu simultaneamente em várias partes do mundo e, depois de algum tempo, espalhou-se a notícia: as mesas dançantes também se comunicavam! A comunicação era rudimentar: uma batida do pé da mesa significava “sim”, duas batidas, “não”. Com o tempo, convencionou-se um número de batidas para cada letra do alfabeto (A = 1; B = 2, etc.), de tal modo que se obtinham respostas mais completas e elaboradas, embora o procedimento bastante laborioso.
Foi nesse cenário que o Professor Rivail compareceu à casa do amigo, disposto a observar atentamente e descobrir o que havia por trás do fenômeno.
E o que ele observou? Primeiro, que a mesinha (eram mesas pequenas) se comunicava ao toque das mãos de duas pessoas, tornando impossível que uma delas improvisasse uma resposta; segundo, que o movimento do móvel não era provocado por essas pessoas, o que sugeria uma força de origem externa impulsionando a mesinha. Que força seria essa? Alguém perguntou à mesa algo como “Quem é você?” e a resposta veio nas batidas: “Espírito”.
Entrevistando os Espíritos
Rivail, intrigadíssimo, localizou outros grupos que se reuniam regularmente para “conversar” com as mesas. Verificou que nem todas as pessoas obtinham o fenômeno ao tocar o móvel; ele denominou “médiuns” as pessoas que tinham essa faculdade especial. Com o tempo, a mesinha foi dispensada e surgiram os médiuns escreventes, hoje chamados de psicógrafos, como Chico Xavier e Divaldo Franco.
Com a colaboração de médiuns confiáveis, que aliavam à faculdade mediúnica uma conduta reta, Rivail começou a entrevistar os Espíritos. No início, queria saber quem eram, como viviam, onde ficavam… Com o tempo, passou a formular questões sobre temas de interesse geral, que apresentava aos Espíritos cuja linguagem denotava maior elevação. Submeteu suas perguntas a mais de dez médiuns, localizados em diversas cidades da França; e se surpreendia com a coerência entre as respostas, sem que os médiuns sequer se conhecessem. Ao cabo de dois anos, reuniu o relato das entrevistas em um livro: “O Livro dos Espíritos”, que assinou sob o pseudônimo de Allan Kardec.

Estavam lançadas as bases do Espiritismo.
Descobertas
Allan Kardec fez algumas descobertas entrevistando os Espíritos. Como ele próprio declara honestamente, nenhuma novidade espetacular. O que ele conseguiu, como um arqueólogo escavando em terreno invisível, foi resgatar noções antiquíssimas que estavam soterradas sob toneladas de misticismo, superstição, preconceito e dogma, demonstrando que fenômenos tidos como milagres, prodígios ou fantasia de mentes superexcitadas são, de fato, possíveis e perfeitamente explicáveis por leis naturais, ainda não identificadas pela ciência oficial.
E isso não foi pouco. Pense, por exemplo, naquelas famílias que buscavam na mediunidade de Chico Xavier alguma notícia de um ser amado arrebatado por morte violenta. Quantas mães consoladas, quantos pais ganhando alento mediante cartas cujo conteúdo não dava margem a dúvidas quanto à identidade do remetente querido e pranteado? Esses fatos alcançaram centenas de famílias brasileiras e foram divulgados em mais de trinta coletâneas publicadas por editoras espíritas. Eles só puderam acontecer depois que Allan Kardec abriu caminho para o intercâmbio com os espíritos e orientou com segurança os médiuns caridosos, em um manual chamado “O Livro dos Médiuns”.
Um propósito e um sentido para a vida
Mas a grande contribuição do Espiritismo talvez seja a sua perspectiva evolucionária: somos Espíritos imortais, criados por Deus simples e insipientes, mas com aptidão para desenvolvermos, cada um em si mesmo, as sementes das virtudes que são atributos do próprio Deus e que podem ser resumidas em duas palavras: amor e sabedoria.
De acordo com esse princípio de evolução, cada existência humana é um estágio de aprendizado e serviço, visando ao desenvolvimento da inteligência e dos sentimentos do ser. Para assegurar o progresso, vigora o dispositivo da reencarnação, que nos possibilita o renascimento tantas vezes quantas forem necessárias, até atingirmos o grau de evolução dos Espíritos puros, que são os colaboradores de Deus na gestão do Universo.
Com o dispositivo da reencarnação, cada ser humano tem a oportunidade de desenvolver seu potencial e também de corrigir seus erros, caso venha a causar sofrimento ao próximo. A reencarnação é, ao mesmo tempo, um recurso educativo e um meio de cumprimento da justiça divina, que visa sempre à reabilitação do culpado.
Portanto, segundo o Espiritismo, o propósito de Deus para suas criaturas é o progresso moral e intelectual até a perfeição. E a busca pelo aperfeiçoamento de si é o que dá sentido à existência. Para nos guiar nessa busca, Deus enviou Jesus como modelo. Contando com a reencarnação, podemos trabalhar nisso por tempo indeterminado; mobilizando com perseverança a boa vontade em seguir os ensinos de Jesus, podemos abreviar o processo. Para tanto, Kardec nos presenteou com um excelente manual de orientação: “O Evangelho segundo o Espiritismo”.
O desafio
O Espiritismo alimenta a esperança, traz consolo, robustece a fé com uma base racional. Sua perspectiva cósmica dilata ao infinito nossos horizontes no espaço e no tempo. Tudo isso é fonte de bem estar. Em contraponto, não nos ilude quanto à responsabilidade do viver, a expressar-se em cada gesto, palavra, pensamento… Esse o grande desafio. Como declarou Kardec, “reconhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más” [1]

*Edna faz parte da Diretoria do IEPT, sendo atualmente 2ª tesoureira.
[1] Kardec, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. Cap. 17, item 4. Ed. FEB.