Dâmaris Simon Camelo Borges *
E aí, pessoal? Vamos falar de adaptação? Ou melhor: como facilitar a adaptação das crianças no início do ano escolar?
Esse é um tema sensível quando todos os envolvidos estão com as emoções: crianças sendo surpreendidas com um mundo desconhecido, ficam sem saber o que esperar.
Pais ansiosos e inseguros: será que precisamos mesmo colocar essa criança na creche? Tem outra opção? Será que essa creche é a melhor? Professores ansiosos e muitas vezes inseguros, afinal de contas, cada turma é um universo diferente, cada criança é única.
O professor pode muito, mas, muito depende dos pais ou cuidadores.
E é exatamente sobre essa questão que vamos falar, sobre práticas educativas mais adequadas que facilitem a adaptação da criança na creche.
Que venha um novo ano!
Retornam os alunos antigos com novas salas e novas professoras! Que comecem os alunos novos! E nada melhor para dominar a situação do que refletir sobre ela: como facilitar a adaptação das crianças no início do ano escolar?
Parar e pensar que ocorrências podem acontecer, quais consequências podem surgir e o que pode ser feito para a adaptação ocorra de maneira tranquila.
Antes de mais nada, é preciso atentar para o fato de a criança ser de responsabilidade da escola e dos pais não abre espaço para que os pais determinem como a escola tem que trabalhar.
Da mesma forma, a escola não tem como determinar a maneira como os pais devem educar as suas crianças.
Cooperação sim! Essa é a palavra. Pais e professores cooperando uns com os outros em benefício da criança.
A escola tem o seu projeto pedagógico e é importante que ela ouça críticas, sugestões e colaborações. E que acolha a visão dos pais no sentido de acrescentar, de procurar melhorar sempre, valorizando os pais que acompanham o desenvolvimento da criança ativamente.
Da mesma forma, é importante que os pais ouçam a escola, entendendo que a convivência dos pequenos nesse espaço ocorre em um período muito grande de tempo e que as pessoas que estão ali são profissionais que estudam, tendo, portanto, muito a acrescentar em relação às práticas educativas mais adequadas.
E nunca é demais lembrar que “educação é processo!”, “nada surge do nada!”. Vamos começar a nossa conversa por aqui.
Quando uma criança nasce, ela passa a viver em um mundo restrito formado por pessoas que, afáveis ou não, ela aprende a conhecer bem! Torna-se uma convivência, em geral, confortável pelo simples fato de que a criança sabe o que esperar.
Ela desenvolve padrões de relacionamento com seus familiares e esses padrões tendem a se repetir com as novas relações que ela estabelecer.
Assim, uma criança que tem o hábito de ficar andando para comer, com um adulto atrás dela oferecendo o alimento, ou que sempre recebe comida na boca sem ter muitas oportunidades de treinar se alimentar sozinha, provavelmente vai ter dificuldades quando entrar na creche e tiver que se alimentar sozinha. E até mesmo dificuldade junto aos colegas e ainda por cima tiver que comer o alimento que está sendo servido e não apenas os alimentos preferidos do seu paladar seletivo.
Vamos imaginar, para agravar um pouco mais essa situação que a criança não tenha uma rotina, come a hora que quer; não come nada de manhã ao acordar e um pouco antes do almoço pede a mamadeira e, obviamente, durante o almoço não vai sentir fome; nessa desorganização de rotina, para que a criança não fique sem comer nada, a mãe oferece um pacote de salgadinhos, ou ainda mesmo, outra mamadeira.
Dessa forma, situações semelhantes a essa podem acontecer em relação ao sono, banho, brinquedos e todas as outras áreas.
E de repente ou, não tão de repente assim, essa mãe precisa trabalhar e a criança vai parar onde? Na creche!
E o que será que passa pela cabecinha dessa criança? Ela não conhece outro mundo que não seja a sua casa, familiares e amigos. Mesmo que de maneira inconsciente, o que a criança pensa e sente, pode ser semelhante a isso: “Quem são essas pessoas? “Tem pessoas falando alto nesse lugar!”, “Hoje eu peguei um brinquedo e um menino me mordeu!”, ou “Eu peguei o brinquedo, o menino veio tomar e eu mordi ele!”, “Eu quero a minha mãe!! Tô com saudade!”, “Não gosto dessa comida! O que é um chuchu?”, “Eu tô com sono! Quero a minha mãe!”, “Eu não quero dormir, tô com medo!!”.
Fatores que interferem na adaptação
Além do que comentamos, outros fatores interferem na adaptação: essa criança está acostumada com outras pessoas? Fica alguns períodos, pelo menos, por menor que sejam, com parentes, vizinhos ou mesmo amigos? Como é o temperamento dessa criança? Ela é naturalmente mais tímida? Insegura? É mais sociável? Quanto mais ela for criada feito um cristal que pode ser quebrado ou, mais fechada em casa, mais dependente dos pais, tanto mais insegura ela vai se sentir de ficar sozinha com estranhos.
Dessa forma, que outros fatores interferem no momento de facilitar a adaptação das crianças no início do ano escolar? Os pais têm certeza da sua escolha de colocar o filho na creche? Os pais confiam na creche? Quando a criança chega em casa, as perguntas dos pais direcionam para uma conversa saudável ou para a ideia de que a creche não é um espaço seguro?
É! São muitos fatores, não é mesmo?
Depois disso tudo, a pergunta a ser feita é: como os pais podem ajudar para que a entrada da criança na creche seja a mais tranquila possível? Alguns ajustes por parte dos pais ou cuidadores sempre ajudam, e muito, na adaptação das crianças. Vamos elencar alguns, lembrando sempre que não existem causas isoladas e sim, em geral, um conjunto de causas.
Vamos lá, o que fazer?
Talvez nenhuma dessas sugestões resolva o problema de como facilitar a adaptação das crianças no início do ano escolar de maneira rápida e definitiva, mas, com certeza, cada sugestão pode ajudar. Procure entender o por que de cada uma delas e se tiver dúvidas, não hesite em procurar a gestão escolar e conversar sobre as suas ansiedades:
- 1- Tenha certeza de que você quer colocar o seu filho na creche; se for uma necessidade, a recomendação é a mesma, faça com confiança; a criança percebe quando os pais estão inseguros e se sente insegura também. Na cabecinha dela, se os pais estão com medo, alguma coisa errada ou perigosa tem! Então, tome a sua decisão e faça com confiança.
- 2- Vá conhecer a creche, faça as perguntas que quiser, informe-se sobre o projeto pedagógico, sobre a forma de trabalho;
- 3- Para facilitar o momento da separação, leve a criança para a creche sem muito contato físico. Se a criança anda, leve-a andando e sempre acordada. Entregue sua criança aos cuidadores sem ficar se agarrando e não exagere na despedida.
- 4- Lembre-se de que o processo de adaptação pode ter idas e vindas – e não compare as crianças, cada um tem o seu tempo – um dia vai tudo bem, no outro seu filho se assusta com alguma coisa. Por exemplo, a professora deu bronca na criança que mordeu o coleguinha, seu filho achou que era com ele e não quer ir mais. Tenha calma e procure entender o que acontece.
- 5- Tenha rotina: hora de comer, brincar, dormir; ensine organização – desde muito pequenas as crianças podem aprender a guardar as próprias coisas e também a ajudar na rotina da casa; ter uma rotina em casa ajuda a entender e aceitar a rotina na escola;
- 6- Ajude-os a assumir pequenas responsabilidades, mesmo sendo bebes, isso vai ajudá-los a entender a necessidade de participação na organização coletiva e se reflete tanto na sala de aula quanto na vida e, não é de uma hora para a outra, tem que ser ensinado.
- 7- Ensine polidez, cumprimentar as pessoas (isso não é o mesmo que obrigá-la a beijar e abraçar), falar obrigado, por favor, andar sem esbarrar nos outros, fazer e responder perguntas.
- 8 – Tudo que você faz com a criança ela repete, assim, evite brincadeiras de mão como por exemplo, morder, apertar, beliscar, lutinha entre outras. A criança pequena não tem noção de força e nem a percepção se outro está gostando ou não.
- 9 – Não dê a alternativa de a criança se alimentar com “tranqueiras”. Alimentos muito processados tipo salgadinhos, pizzas, bolachas, iogurtes, doces costumam ter muito açúcar e gorduras e isso vicia o paladar tornando muito difícil conseguirmos criar hábitos mais saudáveis. Consequentemente, não conseguirão fazer com que ela se alimente na creche. O mesmo vale para a mamadeira: não permita que a sua criança se alimente quase que exclusivamente de leite. Uma criança que fica o dia inteiro na creche sem comer porque só come “tranqueiras”, não vai poder ficar; os pais vão ser chamados para alimenta-la. Não podemos correr o risco de deixar uma criança passar mal de fome ou se tornar desnutrida.
- 10 – Ensine sua criança a ser autônoma: comer sozinha, dormir na cama dela, cuidar de suas coisas. Lembre-se: se você a acostumar a dormir no colo ou com você, ela vai se desesperar quando a professora não conseguir fazer o mesmo; e então, quem vai sofrer?
- 11 – Muitas crianças não se adaptam na creche porque sentem muita falta dos pais. Portanto, lembre-se de reservar um tempo para interagir com a criança.
- 12 – Nunca fale mal da creche ou dos seus trabalhadores; se tiver dúvidas, procure a gestão e esclareça. Conversar esclarecendo dúvidas com outros pais por WhatsApp? Imagine a seguinte situação: a professora tem dúvidas se uma mãe está tratando bem a criança ou se aconteceu algum problema com esses pais e ela coloca no grupo da comunidade escolar. Se fosse você essa mãe, como você se sentiria?
- 13 – Doenças são inevitáveis e por ordem da Vigilância Sanitária a escola tem que cumprir o que o médico determina sem questionar. Então, tenha um plano B caso o seu filho adoeça. A ordem é, crianças com sintomas de doenças infectocontagiosas como por exemplo, febre, diarreia e vômito, tem que ir ao médico, com a ficha médica preenchida pela escola.
- 14 – Entenda que apenas o médico autoriza o retorno da criança às aulas após um período de doença e, cabe à creche apenas aceitar.
- 15 – A recomendação é só faltar quando absolutamente necessário, porque as faltas prejudicam muito a criança no seu processo de criar um padrão de entendimento de como a creche funciona; portanto, a criança que falta mais vai demorar mais para se adaptar.
Por fim, entenda que seu filho vai ficar por volta de 8 a 10 horas na creche e lembre-se: professores têm um plano pedagógico geral para seguir, orientações da Secretaria da Educação, planejamentos diários baseados em princípios de desenvolvimento, não podendo assim, obedecer as vontades de cada um dos pais, embora, opiniões construtivas sempre sejam bem-vindas e consideradas.
Portanto, se não houver confiança, empatia e cooperação, entre os pais e a escola, muito provavelmente teremos uma adaptação longa e sofrida! Muitos problemas vão surgir e, com certeza, vão refletir na criança. E o que deveria ser um processo tranquilo em benefício do aluno pode se tornar um tormento para todos!
Qual é a melhor opção? Vamos refletir um pouco?
Na nossa opinião: pais/responsáveis e escola, parceiros sempre!

*Dâmaris é autora do livro Alfabetização em Valores Humanos e também diretora do IEPT, orientando a equipe docente com formações continuadas.