Experiências de aprendizagem ou momentos pedagógicos?

Contar histórias, além de abrir a imaginação do bebê ou da criança, pode ainda ser um meio de trabalhar com elas inúmeras questões reais, como os seus sentimentos, a chegada de um novo membro na família, a amizade, a relação dela com os pais, entre tantas outras possibilidades.

*Dâmaris Simon Camelo Borges

Maria com, apenas 2 anos, entra na sala de aula da creche e cumprimenta a professora toda feliz! Ela gosta da creche, da professora, das aulas. É o perfil de criança que as professoras costumam gostar: doce, tranquila, suave, atenciosa. Criou um forte vínculo com a professora.

Sara chega em seguida. Ela também gosta da creche e das aulas, às vezes! Da professora? Ela gosta quando não estão em confronto. Ela vive levando broncas. A garotinha tem um perfil ativo, do movimento, agitada! Sara não é fácil! Assim pensa a professora que tem suas aulas rigidamente estruturadas e, consequentemente, com dificuldades em lidar com uma aluna agitada como Sara. Ela gosta de ficar fora da sala. É amorosa, gentil, curiosa, agitada, inteligente, ativa.

A rotina na sala de aula

Quando todos estão na sala, a professora começa a aula enquanto espera o lanche. Todos em roda, ela começa falando das cores: quem veio de vermelho, quem veio de azul e assim por diante. Trabalha com roupas e bonecas. As crianças em roda têm que esperar o chamado da professora e colocam a peça de roupa da cor pedida nas bonecas. Maria se distrai, mas faz o que a professora está pedindo e, espera pacientemente sua vez. Sara espera dois minutos e se dispersa com o movimento fora da sala. Corre para aporta, a professora chama e manda que se sente e preste atenção enquanto espera a sua vez. Sara obedece por 2 minutos e logo dispersa com o colega ao lado e começam a se cutucar e rir. A professora se irrita e separa os dois. Quando chega a vez de Sara, a professora pede que pegue a touca verde para colocar na boneca, mas ela gostou mesmo foi da fita vermelha, então pega a fita vermelha pra colocar na boneca. A professora fala mais firme que o normal: Sara! A touca verde! A menina, no “auge dos seus dois anos”, se assusta e fica parada. A professora vai até ela, pega a touca verde e dá na mão de Sara que coloca na boneca. O colega que estava trocando cutucões com Sara vê um brinquedo que ele adora na prateleira e sai correndo. A professora se impacienta, se desgasta. Esses meninos são hiperativos, não tem concentração!

Será?

Mudanças na abordagem pedagógica

A professora tirou uma licença longa e, a assistente de salas assumiu a turma passando a organizar o ambiente de maneira diferente. Com conteúdo corriqueiros, que são utilizados no dia a dia como por exemplo, cores, números e tamanhos, ela não se preocupa. Sabe que isso as crianças aprendem naturalmente nas experiências diárias, mas, com relação às implicações de uso no dia a dia, transformações e outras correlações dos conteúdos, isto sim ela se preocupa!

A Dinâmica das aulas transformadas

Para dinamizar as aulas, montou uma pequena brinquedoteca na sala, com pequenos cantos de experiências, com poucos brinquedos que facilitassem às crianças aprenderem a organizar. As crianças chegavam, cumprimentavam a professora e já se dirigiam para os brinquedos que mais gostavam. Interagiam tranquilamente enquanto a professora os recebia e se organizava. Quando todos haviam chegado, ela montava a roda de conversa e fazia a chamadinha cada dia de um jeito: um dia com fotos, outro dia com os nomes em cartões, perguntava sobre o dia deles como se sentiram com as coisas que aconteceram e fazia breves anotações sobre as novidades, sobre o que mais empolgou as crianças, sobres os sentimentos que foram despertados e que foram mais fortes.

Exploração e aprendizado

Certo dia após o café, voltavam para a sala e as crianças podiam novamente acessar os cantos de experiências. A professora, com o seu olhar pedagógico, entrou na brincadeira com as crianças: conversava com aquelas que estavam cozinhando, perguntando qual era o papa? Se poderia ajudar. No canto da “Escuta, fala, pensamento e imaginação”,  pegava um livro e lia de maneira bem expressiva, ou então brincava com os marionetes no palquinho que ali estava disponível; mediava o conflito das crianças na disputa por brinquedos fazendo com que percebessem o que o amiguinho estava sentindo e induzindo-os a que se colocassem no lugar do amiguinho: “Quando você bate, dói!”; perguntava para as crianças apontando a cesta de frutas qual era a maçã? perguntava se poderia comer? se precisava lavar? porque tem que lavar? e a banana? qual é a banana? precisa lavar? Para diante do espelho, onde ninguém está, experimenta um chapéu. Algumas crianças acham engraçado e se aproximam. No fim do dia em suas breves anotações, a professora observa que as crianças se interessaram muito pelas frutas que pareciam de verdade. A partir do dia seguinte, a professora observando esse interesse, desenvolve um projeto sobre frutas trazendo pratos de frutas picadas e monta ilhas com cores diferentes, frutas verdes, vermelhas, amarelas, brancas, marrons e, questiona os sabores, quais precisam descascar? quais não? faz listas, traz receitas, escreve bilhetes para os pais junto com as crianças pedindo que mandassem as frutas que o filho mais gosta. Enquanto persiste o interesse da turma, segue com o projeto. Faz com que as crianças observem a preparação de uma receita, mostrando como uma fruta poderia se transformar em um bolo, ou gelatina, ou qualquer outra coisa bem gostosa! A professora diverte-se com as crianças observando os processos de transformações das frutas diante de receitas; escreve as receitas no papel pardo, entrega para as crianças as receitas impressas que fizeram na sala para levarem para casa e assim por diante, até elas começarem a demonstrar mais interesse por outro assunto.

Resultados e impactos na sala de aula

E as crianças hiperativas e sem concentração? Felizes e participando muito concentradas nas atividades que elas escolheram ou que a professora trouxe movida pelos interesses deles.

Reflexões sobre a experiência

Maria, com seu jeitinho doce e meigo, passa pelos diversos cantos, interagindo com todas as crianças e, com a concentração total naquilo que estava fazendo.

Sara parou de se cutucar com os amigos; não é mais chato o que ela está fazendo, agora ela escolhe a atividade que quer fazer ou participa da proposta da professora por ser interessante e não por ser obrigada. Tem muitas coisas que lhe interessam agora e, ela explora tudo com muito interesse, sem perturbar a sala e a professora.

A outra criança que se cutucava com a Sara, está interessadíssimo no tamanho dos bichos que ele via nos livros sobre a fauna no mundo e, nos brinquedos que a professora conseguiu para representar esses bichos; se encantava com o “tamanho do bichão!”, com a plantinha que brotou da semente que ele plantou junto com a professora e, ele falava que ia “ficar grandona igual a árvri do gramado!”.

A professora assistente que assumiu a sala na licença? Quanto mais aprendia com a própria experiência, trocando experiências com a coordenadora, com as colegas de trabalho e com os estudos, mais o trabalho se tornava leve e prazeroso! E a cada vez mais tinha certeza que estava no lugar certo! Feliz com a escolha profissional que fez!

*Dâmaris Simon Camelo Borges é autora do livro
Alfabetização em Valores Humanos e também
diretora do IEPT, orientando a equipe docente
com formações continuadas