*Dâmaris Simon Camelo Borges
O bullying é um tema que dificilmente sai da pauta de discussão dos educadores. Ocorre em todos os setores da sociedade, famílias, trabalhos, grupos sociais e, principalmente, por ser o que nos interessa aqui, em 100% das escolas.
Nem sempre é claro para a maioria das pessoas, do que estamos falando quando nos referimos a bullying. Considera-se bullying casos de molestamento repetidos, que podem implicar de apelidos preconceituosos, exclusão de grupos, fofocas maliciosas e extorsões diárias. Em geral, existe um desequilíbrio de poder, onde o agressor é mais forte, mais alto, cerca-se de mais amigos, ou é mais velho que a vítima. Costuma ocorrer sem uma motivação aparente, de forma direta ou indireta. E que fique bem claro, costuma-se atribuir ao bullying o rótulo de brincadeira, mas não! Uma brincadeira só pode ser considerada uma brincadeira se for divertido para todos! Se for divertido só para o “agressor”, não é brincadeira, é bullying!
Quando se trata de eliminar uma situação de bullying, é comum as escolas recorrerem a punições que costumam ter um efeito pontual, na situação, não elimina o fenômeno, ou seja, passado aquele momento, o bullying continua. Ou seja, a punição controla, mas, não educa.
É comum ouvirmos as pessoas falando: “É muito mimimi! Todo mundo sofre bullying e está todo sobrevivi!” Não é bem assim, que fique bem claro! A exposição recorrente à agressão, seja ela física, verbal, relacional ou o que for, é apontada como sendo prejudicial ao aprendizado escolar, ao desenvolvimento socioemocional das crianças envolvidas e do grupo, trazendo sentimentos de insegurança, ansiedade, falta de foco, entre outros prejuízos.
E quem, normalmente, se envolvem nesse tipo de confusão? Crianças avaliadas pelo professor como inconvenientes no relacionamento com os colegas – impulsivas, desrespeitosas, não cooperativas, sem limites, são as que mais se envolvem em confusões; por outro lado, crianças consideradas socialmente competentes, estão menos expostas à rejeição e vitimização pelos colegas, enquanto as agressivas e as retraídas tem mais risco de se tornar alvo de maus tratos.
Quando se fala em prevenção do bullying, imediatamente pensamos em Educação Básica e Ensino Médio. Mas, e a Educação Infantil? E a creche? Será que é viável se falar em prevenção de bullying na EI? Na creche? Sendo que nesses espaços cuidamos de crianças tão pequenas? No mínimo soa estranho, mas, quando analisamos a base de formação dos padrões de comportamentos humanos e lembramos que o ser humano se torna quem é através de processos de desenvolvimento vivenciados nos relacionamentos humanos, a prevenção do bullying na Educação Infantil e na Creche passa a fazer todo o sentido.
Como tudo o que se ensina tem que ser formatado para o público a quem se destina, adaptando-se linguagem, conteúdo, objetivos, metodologia, seja na educação formal ou informal, é óbvio que na educação preventiva do bullying, seja na Educação Infantil ou na Creche, também é necessário que haja uma formatação para os pequeninos que estão iniciando a sua jornada no mundo, formando conceitos, imagens, padrões de relacionamentos, entre outros esquemas de pensamento e de sentimentos.
Os dados citados acima, remetem ao processo de socialização das crianças e, mais do que simplesmente ao processo de socialização, à formação moral. Para ficarem claros os argumentos à favor da prevenção do bullying na Educação Infantil e nas Creches, é preciso entender que, ter a capacidade de desenvolver relacionamentos saudáveis, respeitosos, que sejam satisfatórios para todas as partes envolvidas, envolve aprendizado e esse aprendizado ocorre em que fase? Na primeira infância! À partir do berço.
Uma criança acostumada a obter o que quer, por exemplo, através de maneiras coercitivas, de birras, de agressões, de gritos, ao passar do meio familiar para o meio escolar, provavelmente vai ter muitos problemas, porque ela vai continuar usando com professores e colegas, o padrão de relacionamento que está acostumada.
Na Educação Infantil, especialmente, na Creche, possuímos um campo fértil de trabalho, considerando-se que a educação da criança é compartilhada com o meio familiar e que a criança fica na creche a maior parte do tempo.
Longe do que a maioria das pessoas pensa, a criança é um ser ativo no seu processo de desenvolvimento, não é uma “tábula rasa”, onde os educadores vão imprimir o seu modo de educar e sim, ela reage ao meio, ao que ouve, ao que vê e sofre influências de todo o entorno da família: concepções e crenças dos pais, da família próxima, da família distante, da religião, do meio político, entre muitas outras.
Assim, fica mais fácil entender que a criança representa muito do meio onde cresce. Se crescer em um meio agressivo, preconceituoso, desrespeitoso, a probabilidade de a criança retratar esses comportamentos, vai ser grande. Se ela crescer em um meio onde ela é respeitada, aprende que as pessoas tem o direito de serem respeitadas, se ela crescer em um meio onde as pessoas são mais tolerantes, empáticas, cooperativas, a possibilidade dessa criança ser mais tolerante, mais empática, mais cooperativa e não se envolver em conflitos e, de ter mais amigos, também é grande.
Percebendo-se a importância do desenvolvimento da socialização da criança em um contexto mais amplo onde vivencia-se mais a ética/moral, chegamos à compreensão da importância da prevenção do bullying na Educação Infantil e na Creche.
Educar a criança desde o berço para entender os mecanismos que promovem a interação entre os seres humanos e o funcionamento social, trabalhar valores morais e a capacidade de gerir as próprias emoções, leva a criança a crescer tendo parâmetros do que é um relacionamento saudável, a ser sensível não apenas ao seu próprio bem-estar, mas, ao bem-estar do outro também.
Parece uma boa receita para prevenir o bullying? A literatura mostra que sim.
Tendo-se clara a ideia de que os padrões de relacionamentos precisam ser trabalhados desde a primeira infância, antes que se cristalizem em padrões antissociais, é necessário voltar o olhar para os educadores.
Especialmente falando da Educação Infantil e da Creche, em que o aprendizado da criança é mais fortemente relacionado com os vínculos que estabelece, quem vai educar a criança tem competência social para a tarefa, definida resumidamente como a competência para resolver problemas na área social, de maneira prosocial, ou seja, buscando soluções para si mesmo e para todos os envolvidos na questão?
Como o nosso foco é a escola, falando-se especificamente de professoras, eles tiveram a oportunidade de aprender habilidades sociais? Conseguem ter autorregulação das próprias emoções? Sabem quais são os próprios valores? Com base nessas reflexões, fica a ideia de que ninguém ensina aquilo que não sabe.
Chegamos à conclusão que, para ensinar para a competência, é preciso ter competência. Inevitavelmente, o programa de prevenção ao bullying na Educação Infantil e na Creche, necessariamente, passa pelo treinamento das professoras.
Falar no assunto é importante, normalizar a criação de bebes para prevenir que se envolvam em conflitos precisa passar a fazer pauta, das agendas das programações escolares.
Projeto de prevenção ao bullying na creche
A creche do Instituto Espírita Paulo de Tarso traz como proposta, desenvolver um programa de intervenção com base no ensino de Habilidades sociais e no desenvolvimento de valores humanos, onde as gestoras passam por uma formação se capacitando para desenvolver uma intervenção com as professoras.
A intervenção baseada no Programa de Alfabetização em Valores Humanos (Borges, Marturano, 2012), busca capacitar a equipe em três vertentes: desenvolvimento de habilidades sociais, discussão de valores humanos e autorregulação das emoções negativas. A proposta ocorre em dois momentos, a compreensão da teoria pertinente ao programa e, através de intervenções continuadas na rotina diária, sempre que houver necessidade ou oportunidade de intervir.
Ao trabalhar com a equipe escolar, a começar com as gestoras, entende-se que, as pessoas que mais estão convivendo com as crianças, não vão cobrar delas aquilo que não praticam e, sim, exemplificar padrões de relacionamentos saudáveis e que desejamos que sejam generalizados: relacionamentos mais respeitosos, cooperativos, empáticos, criativos, entre tantas outras características que ao faltarem nos relacionamentos podem levar ao bullying.
Paralelamente, definimos como vertente pedagógica, o trabalho do Pedagogo Paulo Fochi (Fochi, 2023) e Oliveira-Formosinho (OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; PASCAL, Christine, 2019) que, definem um padrão educativo baseado no desenvolvimento e no relacionamento respeitoso entre o adulto e a criança.
As intervenções com as gestoras ocorrem semanalmente e com as professoras diariamente, quando necessário ou oportuno e mensalmente de acordo com o calendário de formação.

Alfabetização em Valores Humanos e
também diretora do IEPT, orientando a
equipe docente com formações continuadas
Referências
BORGES, Dâmaris Simon Camelo & MARTURANO, Edna Maria. Alfabetização em valores humanos – Um método para o ensino de habilidades sociais. São Paulo, SP: Summus, 2012.
FOCHI, P. Vida cotidiana e microtransições: narrativas pedagógicas das escolas do observatório da cultura infantil – OBECI. São Paulo: Diálogos Embalados, 2023
OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; PASCAL, Christine. Documentação Pedagógica e Avaliação na Educação Infantil: Um Caminho para a Transformação. Porto Alegre: Artmed, 2019.