As experiências na Educação Infantil

*Dâmaris Simon Camelo Borges

Desde que a Educação Infantil – e quando falo em Educação Infantil incluo a creche – deixou de ser do âmbito da Assistência Social e passou para a Educação, começamos a ouvir palavras e expressões próprias do Ensino Fundamental quando alguém se refere ao ensino de crianças de 0 a 6 anos, como por exemplo, “planejar aulas”, “plano pedagógico”, “classe”, “conteúdo”, entre outros.

A criança da Educação Infantil: peculiaridades e necessidades

Mas, será que a criança da Educação Infantil tem as mesmas características das crianças do Ensino Fundamental? Não! A criança de 0 a 6 anos tem características muito específicas que precisam ser consideradas no ambiente escolar para um aprendizado efetivo.

O principal objetivo deste texto é a análise das peculiaridades da criança de 0 a 6 anos. Quando afirmamos que são usados termos específicos do Ensino Fundamental no planejamento de “aulas” da Educação Infantil, não estamos nos referindo apenas às palavras, mas, às concepções que as embasam.

No Ensino Fundamental, quando planejamos as aulas, estamos considerando uma criança que já possui habilidades cognitivas e afetivas minimamente desenvolvidas para assistirem a aulas: maior independência emocional em relação ao cuidador, maior capacidade de socialização, capacidade de entendimento de regras, capacidade de estabelecer relações de causa e efeito, empatia, cooperação, capacidade de abstração, interpretação de texto. Tudo isso pressupõe-se que já foi desenvolvido na Educação Infantil, capacitando-a para dar seguimento à jornada escolar, a partir do Ensino Fundamental I. Fazem parte dessa preparação, por exemplo, aprender a conhecer as próprias emoções, aprender regras básicas de convivência, desenvolver a autonomia, entre outras habilidades sociais necessárias a uma convivência harmoniosa; pressupõe-se também que no início do Ensino Fundamental a criança já seja capaz de atenção voluntária, memória, raciocínio lógico, capacidade de resolver problemas, entre outras.

Viver, brincar e explorar: o foco na experiência

Considerando esse contexto, essas necessidades intrínsecas ao aprendizado, quem é a criança da Educação Infantil? O que ela precisa para seguir o seu percurso no ambiente escolar?

A resposta é simples, mas, não necessariamente óbvia: É uma criança que precisa VIVER! Ela chega na Educação Infantil sem as habilidades que citamos acima. Mas todas, mesmo os bebezinhos, trazem uma bagagem de vivência do lar onde estão inseridas, e estão prontas para descobrir o mundo.

“Viver não é assistir aulas e receber conteúdo. Viver, na primeira infância, é processar essa descoberta permanente, entre a curiosidade, a ação e a observação.”

Daí nascem os Direitos da Criança a que se refere a BNCC: a criança tem o direito de Conviver, Brincar, Participar, Explorar, Expressar e Conhecer-se.

A concepção de criança expressa na BNCC se refere a um “ser que observa, questiona, levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e assimila valores, constrói conhecimentos, se apropria do conhecimento por meio da ação e nas interações com o mundo físico e social.”

Se é verdade que a criança não parte do zero, pois traz uma experiência de vivência do lar, também é verdade que a interação com o meio físico e social fora do lar vai ajudá-la a desenvolver as habilidades referidas acima.

O papel essencial do professor: observação e afeto

No meio escolar, quem desempenha o papel de apresentar o mundo para a criança é o professor, munido de intencionalidade educativa.

O professor consciente do seu papel, munido de afeto, vai conviver com essa criança, olhar para ela realmente vendo o serzinho que está à sua frente e se perguntar: do que essa criança gosta? Que tipo de situação lhe interessa? Do que ela não gosta? Como desempenha suas atividades de cuidados? Que assuntos, verbalizados ou não, ela traz? Como se relaciona com os colegas? E com os adultos? E a partir daí, vai “dar as mãos” para essa criança e apresentar o mundo à sua volta, desenvolver os seus interesses, criar vínculos afetivos que são os fios condutores da aprendizagem.

Transformando “bagunça” em aprendizagem

Uma criança que entra em sua sala de referência e começa a fazer barulho batendo na mesa, gritando, produzindo sons com a boca, não está fazendo bagunça, está pesquisando sons, o que se torna uma excelente oportunidade para o professor criar um campo de experimentação de sons com diversos materiais, objetos, áudios de músicas diversificadas, inclusive de estilos externos ao do ambiente escolar; uma criança correndo pela sala, subindo nas mesinhas, empilhando as cadeiras, não está bagunçando, está conhecendo o espaço, testando suas capacidades físicas, as capacidades físicas dos materiais da sala de referência; essa é outra excelente oportunidade do professor para organizar um ambiente de exploração onde a criança possa explorar, com mais segurança, materiais diversos como por exemplo, triciclo, cestas de basquete, cubos ou caixas grandes para empilhar, entre outras.

Ao mesmo tempo, a professora vai ensinar regras e seus princípios. Por exemplo, correr na sala e empilhar objetos pode ser prejudicial à integridade física da criança mais ativa e dos colegas; gritar na sala atrapalha, mas em outros espaços isso é possível.

As crianças estão disputando o fogãozinho que a professora colocou no fundo da sala; porque isso está acontecendo? Não há outros materiais de interesse? O que mais poderia ser colocado ali para que não houvesse disputa? As crianças cansaram dos objetos e estão jogando pelo ar? Perderam o interesse? Ao mesmo tempo que se coloca limite, trocam-se os objetos da sala.

Em resumo, CRIAR EXPERIÊNCIAS onde as crianças tenham oportunidade de desenvolver suas habilidades exercendo seus direitos, pondo a “mão na massa”, mexendo, experimentando, criando, imaginando “porquês” e “como” para as suas experiências.

A observação atenta como ferramenta pedagógica

E por onde o professor pode começar? Como foi dito, observando as crianças para, a partir dos seus interesses, organizar “campos de experiências (BNCC)” que permitam a satisfação da curiosidade da criança e a ampliação dos seus interesses.

Observando a criança em ação, conseguimos:

  • perceber como ela está pensando
  • identificar experiências que ela já viveu e ampliar;
  • perceber como ela aprendeu a se relacionar com o meio físico e social e mostrar que existem outras formas
  • entender que ferramentas cognitivas e emocionais ela usa e apresentar outras.

Em resumo, a observação atenta oferece pistas seguras para pensar como podem ser expandidas as experiências de cada criança.

Os Campos de Experiência da BNCC: um guia para o planejamento

E a partir daí pode surgir a questão: São tantas as possibilidades, o mundo oferece oportunidades infinitas de interação, como organizar?

Os Campos de Experiência de que trata a BNCC trazem eixos de interação que ajudam a planejar e organizar experiências que, quando vividas, favorecem o desenvolvimento das habilidades necessárias às experiências de vida e, mais especificamente as escolares.

No campo O EU, O OUTRO E NÓS, a criança aprende a se conhecer, conhecer o outro e entender que a espécie humana é plural, diversa. Aprende que só existe convivência possível quando respeitamos a nós mesmos e aos outros. Aprende a desenvolver habilidades sociais e valores humanos.

No campo CORPO, GESTO E MOVIMENTO, a criança explora o corpo, aprende a se expressar através de diferentes linguagens, aprende sobre potencialidades, limites e segurança.

No campo TRAÇOS, SONS, CORES E FORMAS, a criança amplia o seu universo cultural, se expressa através de diferentes linguagens, desenvolve senso estético e crítico, percepção e criatividade. Aprende sua cultura e a reconfigura.

No campo da ESCUTA, FALA E PENSAMENTO, a criança aprende sobre as diferentes formas de comunicação, aprende sobre a língua materna oral e escrita, desenvolve o gosto pela leitura, o conhecimento de mundo, a imaginação.

Por fim, no campo ESPAÇOS, TEMPOS, QUANTIDADES, RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES, a criança aprende habilidades básicas para o desenvolvimento do raciocínio lógico matemático, observa fenômenos físicos, atmosféricos, socioculturais, com foco nas transformações.

E como fazer isso tudo? De uma maneira bem simples! Quando se organiza uma experiência, é fundamental fazer a seguinte pergunta: em quais campos de experiência, ou seja, em torno de quais eixos está sendo incentivado e ampliado o conhecimento e quais estão sendo deixados de lado? Ter referências ajuda a diversificar e ampliar os campos de conhecimento.

Rumo a uma Educação com propósito e criatividade

Discutir sobre as experiências na Educação Infantil faz com que os professores tenham a oportunidade de abrir a mente, permitirem-se ser criativos, mas, com embasamento teórico. Para tanto, recomendamos a leitura da BNCC, além de qualquer artigo pertinente ao assunto, para uma visão mais profunda do trabalho.

Dar as mãos para a criança, caminhar com ela, ensiná-la a realmente ver o outro, olhar o mundo, sentir os cheiros, as texturas, os sabores, ouvir os sons, admirar as cores e formas, agir no ambiente, expressar pensamentos e sentimentos. Enfim, viver!

*Dâmaris Simon Camelo Borges é autora
do livro Alfabetização em Valores Humanos
e também diretora do IEPT,
orientando a equipe docente
com formações continuadas